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Um ano de pandemia no Brasil: chegamos a um momento de compreensão?

por Rodrigo Magnos Soder, professor do Instituto Federal Farroupilha

Já é bem conhecida a afirmação de que a realidade não existe. Há, apenas e tão somente, uma interpretação sobre a vida e os fatos. Assim, deixo claro que essa é a minha interpretação, algo superficial e tangencial, sobre alguns aspectos representativos da passagem de um ano de pandemia. Um tempo que transcorreu, paradoxalmente, ora rápido, ora lento. Para o bem ou para o mal, um novo Zeitgeist se formou desde os meses iniciais de 2020 e o despontar da pandemia no Brasil.

Uma das faces que mais me impactou durante o transcorrer da pandemia foi a revelação do estado das incertezas de nossas vidas. A demonstração de que vivemos em constante insegurança e risco. Contudo, como meio de confortar nossa existência e torná-la, minimamente suportável, fabricamos ilusões, que operam como mecanismos tranquilizadores e de apaziguamento de nossa conturbada subjetividade. Somos humana e socialmente frágeis. Nossa civilização passa muito longe de um modelo de resiliência ou de antifragilidade. O menor dos movimentos pode abalar todo um país ou toda uma cadeia econômica/social. Uma expressão disso foi, e é, o rápido tensionamento, quando não, colapso, do sistema de saúde. Sempre foi frágil e carente de maior investimento e recursos. Era conveniente fingir que funcionava a contento.

De outra feita, me chama a atenção, ao longo desse ano pandêmico, o esgotamento de alguns tipos de discurso. Fato é que a realidade mostra e impõe limites. Os jargões repetidos à exaustão, tais como, “eficiência”, utilização dos mais modernos “toolkits”, criação de uma “plataforma integradora”, “app matador” e outros pérolas consagradas mostraram-se falácias. Problemas sociais complexos não se resolvem prosaicamente. A barreira ou – a nova fronteira da realidade – estará e continuará flutuando, no espaço incerto do “não sei”, até ser verdadeiramente compreendida. Para tal, é necessário um grande exercício de humildade e sensatez, bem como sólido investimento em pesquisa e ciência.

Uma parte considerável do motor produtivo do país, especialmente, o varejo físico e setor de serviços foi colocado contra a parede, com a atribuição de uma responsabilidade que não está ao seu alcance resolver. Foi dada a estes a tarefa – contraditória – de continuar existindo, sem poder estar em atividade. Algo irreconciliável e impossível, no curto prazo, para a imensa maioria dos estabelecimentos comerciais do país.

A pandemia é o maior teste de empatia que poderia se abater sobre a civilização humana. A pandemia vitimou, até o momento, quase dois milhões e setecentos mil seres humanos. Um número impressionante, mas, percentual e estatisticamente, (ainda) ínfimo quando comparado aos quase oito bilhões de seres humanos que ocupam esse planeta. Toda vida importa e importa muito. Não há qualquer discussão sobre isso. Contudo, o temor parece estar mais vinculado à falta de leitos de UTI do que a perda de vidas. A dúvida é grande: seremos capazes, e estaremos dispostos, a criar uma nova dinâmica de convivência para atender essas necessidade de cuidado e atenção com o outro? Essa é uma escolha que somente seres humanos podem fazer.

Algumas alternativas começam a aparecer. Certidões e passaportes de imunidade, horários exclusivos para população em maior risco e monitoramento eletrônico individual. Todas essas, são soluções que trabalham no sintoma e deixam a causa de lado. Trazem, em si, o risco de gerar exclusão. Criar uma economia de segurança e de baixo contato e que, ainda, seja inclusiva, demanda um grande esforço e modificação de padrões culturais.

Do mesmo modo, no campo das decisões políticas, todas elas, reconhecidamente, tomadas sob grande incerteza, fazem questionar: seremos capazes de perceber que os interesses econômicos e de saúde são absolutamente convergentes e, em nada, divergentes? A saúde é um ativo estruturante. Parece ser bastante claro que o Executivo federal subestimou o alcance, a duração e a gravidade da pandemia. Dito de outra forma, ter algum plano é sempre melhor do que não ter nenhum.

Não se pode deixar de mencionar que a população foi surpreendida pelas idas e vindas da maré pandêmica. O apocalipse previsto para maio e junho de 2020 não aconteceu e gerou, em lugar de alívio, descrença. Consequentemente, surgiu o anseio generalizado e, bastante compreensível, de “decretar” o fim social da pandemia, a despeito de não existir um final médico e científico, que demanda um remédio eficaz ou vacinação da maioria da população.

Afinal, estamos começando a compreender o momento que enfrentamos? Os olhares polarizados e extremados continuam a existir. Mas, por outro lado, há uma ampla camada de população que vislumbra nos pontos de consenso o caminho para a continuidade e retomada da vida. Não a vida dita “normal”, aquela que existia antes de 2020. Essa não voltará. Mas a vida que podemos e precisamos ter neste novo momento.

Por tudo isso, e por muitas outras coisas, uma frase de Alvin Toffler, emitida no longínquo 1983, me persegue nesses dias: “precisamos de novos conceitos”. Talvez seja isso. Os conceitos, as premissas e os modelos contemporâneos já não dão conta da realidade.

Que venham, então, novas ideias, novos projetos e novos modelos. A humanidade e as gerações presentes e futuras agradecem.

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