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SOBREVIVENTE DE UMA BOMBA NUCLEAR

“Os adultos fazem guerra e são as crianças que pagam”, Kazuko Sakai]

Homem caminha pela terra arrasada de Nagasaki, dois meses após a detonação da bomba atômica na cidade. Bettmann Archive

Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 os Estados Unidos utilizaram, pela primeira vez na história, bombas atômicas. Elas foram lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. O objetivo desse ato era forçar o Japão a se render e evitar uma provável invasão desse país, o que resultaria em milhares de soldados mortos de ambos os lados, mais os civis japoneses.

O conflito entre Japão e Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial iniciou-se após o ataque japonês à base naval norte-americana de Pearl Harbor em Honolulu, Território do Havaí, em 7 de dezembro de 1941. O ataque japonês forçou uma declaração de guerra dos Estados Unidos contra o Japão.

O primeiro ataque em Hiroshima aconteceu no dia 6 de agosto de 1945 e foi realizado de um bombardeiro B-29 chamado Enola Gay. O avião era pilotado por Paul Tibbets, que escolheu a ponte Aioi como alvo central. A bomba explodiu a mais ou menos 580 metros de altura e originou um pequeno sol, que espalhou um clarão pela cidade e uma onda de energia e calor que foi responsável pela destruição material quase completa da cidade, além de resultar em 80 mil vítimas imediatas. Muitas pessoas foram vaporizadas instantaneamente com o calor da destruição, e outras mais distantes do local de lançamento, foram carbonizadas.

A segunda bomba nuclear seria lançada na cidade japonesa de Kokura, entretanto, a condição climática da cidade fez com que os pilotos fossem para a cidade de Nagasaki. A bomba de Nagasaki era 50% mais poderosa que a de Hiroshima, mas parte da cidade foi protegida pelos morros que possuía, ainda assim, a bomba em Nagasaki matou cerca de 40 mil pessoas imediatamente. O avião que lançou a bomba sobre Nagasaki também era um B-29 e chamava-se Bock’s Car.

Muitos dos sobreviventes tiveram de conviver com a dor de grandes queimaduras espalhadas pelo corpo. O contato com a radiação matou muitos dos sobreviventes nos dias seguintes, e outros conviveram com as doenças causadas pela radiação pelo resto de suas vidas. A população atingida sofreu com o preconceito do restante da sociedade japonesa e, por anos, precisou lutar para que o governo japonês arcasse com os custos médicos.

O uso das bombas fez com que o Japão se rendesse em 14 de agosto de 1945. No dia seguinte, a declaração de rendição, na voz do Imperador Hirohito, foi transmitida por rádio para todo o Japão. A transição do Japão no pós-guerra foi realizada de acordo com os termos estipulados pelos Estados Unidos.

O Jornal Plural conversou com uma sobrevivente de Nagasaki, Kazuko Sakai, uma idosa japonesa que hoje está com 82 anos, seu esposo Sanji Sakai com 91 anos, do relacionamento tiveram apenas 01 filho, Katsumoto Sakai.

“Os adultos fazem guerra e são as crianças que pagam, porque isso?” indagou a anciã com lágrimas nos olhos.

Kazuko Sakai busca no fundo de sua memória os horrores vividos por ela e sua família antes e após a bomba que matou de forma instantânea milhares de pessoas. “Eu estava a caminho da escola, na época, as férias de verão no Japão começavam a partir do dia 20 de julho”, relatou a sobrevivente.

Kazuko Sakai relatou que antes ainda da bomba, durante a segunda guerra mundial, nos dias em que haviam aulas, seguidamente ocorriam sobrevoos de aviões americanos B29. Nas suas palavras, “avistando os aviões, as crianças que estavam se dirigindo para as escolas eram obrigadas a correrem para a capoeira mais próxima e se deitarem ao chão para não serem visualizadas.” Relata ainda que tinha uma irmã 5 ou 6 anos mais velha e que era ela a responsável pelas demais crianças e por levar matérias de primeiros socorros como mertiolate, ataduras e outros, para serem utilizados em caso de emergência. Era de responsabilidade da irmã cuidar de seis crianças sendo Kazuko Sakai a menor de todas.

“Após o avião estar longe todas se levantavam e continuavam a caminhada até a escola, apesar de que naquela época quase nem havia aulas nas instituições de ensino, apenas treinamentos.”

OS TREINAMENTOS

Lembra ela que a irmã mais velha carregava uma sacola com a alça na diagonal onde carregava um boneco feito de palha de arroz, em tamanho grande, simbolizando um soldado americano no qual atiravam para aperfeiçoar a mira na hipótese de uma invasão.

CULTIVO

A escola possuía dois pátios grandes, um era para a prática de esportes como corrida e outras modalidades olímpicas, mas que na época da guerra passaram a serem usados para o plantio de batata doce e abóboras, visando os alunos não passarem fome. Kazuko Sakai destacou que comeu tanta batata doce que hoje não pode nem sentir o cheiro, ficando com pavor da raiz.

DIA DA BOMBA ATÔMICA

Segundo relatos emocionados da senhora Kazuko Sakai, “no dia em que a bomba foi lançada, a cidade amanheceu com uma temperatura quente mais agradável, lembro como se fosse hoje, o galo cantava e de repente surgiu um clarão imenso no céu, impossível de olhar e todos ficaram sem saber o que estava acontecendo e confusos”.

A fumaça da bomba jogada em Nagasaki vista da cidade de Koyagi-jima, a cerca de dez quilômetros de distância, em 9 de agosto de 1945. A bomba atômica, apelidada de “Fat Man”, detonou antes de atingir o solo na parte norte de Nagasaki, pouco depois das 11h da manhã daquele dia. Getty Images

Eram os efeitos atômicos da bomba que, tendo como primeiro efeito a alta temperatura, por onde passava matava muitas pessoas queimadas com uma enorme onda de calor e deslocamento do ar. Um familiar de Kazuko foi vitima direta da bomba. Ele possuía uma carreta e a explosão ocorreu a poucos metros de onde ele estava. Pessoas mortas por toda a parte, e por onde a onda atômica passou deixou um raio imenso de destruição e cinzas.

As pessoas morriam gritando de dor tendo o corpo queimado. A sobrevivente relatou que em um rio havia muitos corpos boiando, pois devido o calor que tomava conta do corpo sendo deteriorado, corriam para a água na tentativa de amenizar o sofrimento e ali acabavam morrendo. “Uma tristeza sem igual! Aqueles que não perderam a vida no momento da explosão, foram morrendo logo depois, era muita dor, terror e sofrimento.”

Mais 70 mil morreram até um ano após o lançamento da bomba. Décadas depois os sobreviventes ainda sentiam os efeitos radioativos.

Os adultos fazem guerra e crianças é que pagam, porque isso?

Kazuko Sakai fez esse desabafo ao relembrar dos horrores da guerra e da bomba atômica. Ela falou a frase ao lembrar-se de muitas crianças mortas e outras gravemente feridas e morrendo nos braços de familiares, enfermeiros e médicos.

Criança chora em meio aos destroços em Hiroshima, em 6 de agosto de 1945. Bettmann / Bettmann Archive

Com os olhos cheios d’água, Kazuko fez uma volta ao passado e olhava fixamente como se estivesse mais uma vez vivendo aqueles horrores. Lágrimas caíram tímidas em sua face quando ela relatou que um familiar estava no hospital e ao retirarem o relógio do pulso, toda a pele veio junto como se estivesse se desintegrando.

A topografia de Nagasaki ajudou a salvar vidas e amenizou os efeitos da bomba

A cidade de Nagasak possui muitos morros, e isso fez com que determinadas áreas ficassem protegidas e desta forma vidas não foram ceifadas, como é o caso de Kazuko Sakai. Os efeitos da radiação ainda foram sentidas por anos. “Milhares de pessoas morreram subitamente dias depois. Quem sofreu queimaduras, por exemplo, sofria com a demora no fechamento das feridas, consequência da radiação.”

SOFRIMENTO PÓS BOMBA

Quem sobreviveu à bomba atômica de Nagasaki teve de lidar durante toda a vida com inúmeras doenças surgidas posteriormente ao ataque. Foi o caso de mais um dos familiares da senhora Kazuko Sakai. Ela ressaltou que os efeitos da bomba são devastadores e impõem uma pessoa a morrer em sofrimento inimaginável. Um membro de sua família que ficou exposto à radiação dias depois “começou a ter queda de cabelo e no couro cabeludo apareceram uns caroços que vertiam um liquido amarelado, acho que eram secreções saindo pelos poros, e no local formavam bolhas de pus e sangue, além de dores intermináveis.” Relatou que para amenizar o sofrimento, as bolhas eram limpas com mertiolate e outros produtos. Quando aquele local estava seco como se fosse ficar curado o mesmo ocorria em outra parte da cabeça, e assim consequentemente até a morte.

RETORNO AO JAPÃO

Quem sobreviveu ainda enfrentou forte preconceito da sociedade japonesa. Após anos de reivindicações, as pessoas conseguiram que o governo arcasse com a totalidade de suas despesas médicas de maneira vitalícia. Por viverem fora do Japão com o marido e seu filho, o casal Kazuko e Sanji Sakai retornam ao Japão para realizarem exames, com todas as despesas pagas pelo governo japonês.

CASAMENTO

Dez anos depois, Nagasaki ainda vivia os efeitos da Bomba atômica que deixou a cidade devastada e arrasada. Os Japoneses buscavam retomar a vida, Kazuko Sakai conhece Sanji Sakai, um minerador, que trabalhava nas profundezas das terras do Japão garimpando minério (Carvão). Ela, quando estava com 17 anos, se casa com Sanji Sakai através de uma negociação familiar. Com a exploração do petróleo, muitas mineradoras pararam de operar e Sanji Sakai decidiu migrar para o Brasil, que na visão dos japoneses era um país de gente pobre. Muitas vezes foi questionada sobre o que viriam fazer no Brasil, e ela respondia viver e trabalhar. Ela com 18 anos se tornou mãe de Katsumoto Sakai, o único filho do casal.

A VINDA PARA O BRASIL

A decisão não foi nada fácil, mas o Brasil estava sendo na época o destino de muitos Japoneses que viajavam em torno de 45 a 53 dias de navio. A família Sakai saiu de Nagasaki foi à cidade de Kobe, onde tiveram o passaporte carimbado no dia 28 de dezembro de 1961. De Kobe para Yokohama e de lá para o Brasil. A família chegou ao Porto de Rio Grande no Rio Grande do Sul no dia 20 de fevereiro de 1962, ou seja, 53 dias de viagem cujo o destino era certo, mas a vida que levariam era uma incógnita. A embarcação fez várias paradas no território brasileiro, onde japoneses apostaram o futuro. Após chegarem ao Brasil, no Porto do Rio Grande, a família Sakai se dirigiu para a cidade de Santa Maria, onde iniciaram o difícil e doloroso processo de adaptação.

A VIDA NA NOVA TERRA

Os imigrantes japoneses que chagavam ao Brasil eram direcionados para trabalharem nas fazendas de café em São Paulo e na agricultura no Estado do Rio Grande do Sul. Eles cultivavam hortaliças e vegetais, como apontam vários estudos. Mais tarde os Japoneses também começaram a cultivar flores e trabalhar na produção de outros produtos, geralmente relacionados com a manufatura.

DE MINERADOR A AGRICULTOR

Sem entender absolutamente nada de agricultura, o minerador japonês Sanji Sakai e sua família se viram obrigados a aprender conforme a necessidade. Sem compreender nada da língua portuguesa o dicionário era o salvador nas horas de aperto. Ao chegarem à cidade de Santa Maria foram trabalhar como agricultores na propriedade do então Deputado Estadual Nelson Marchesan. Alguns anos depois se mudaram para a capital onde viveram por muito tempo sempre com trabalhos voltados para a agricultura. Da capital, a família foi residir na cidade de Erechim, onde permaneceram por mais 20 anos.

Lá abriram uma fruteira e a senhora Kazuko Sakai trabalhou também como costureira e desta forma conseguiram dar estudos ao filho Katsumoto Sakai que inicialmente pensava fazer vestibular para engenheiro agrônomo, mas acabou fazendo para medicina, passou, estudou e hoje é um renomado médico cardiologista de Santa Rosa.

CHEGADA EM SANTA ROSA

Com aproximadamente 50 anos, a senhora Kazuko Sakai veio com sua família para Santa Rosa e com bom humor ela descreveu que inicialmente não gostou de Santa Rosa e achou a cidade feia, (pediu desculpas por falar isso), mas principalmente a Rua Guilherme Balze que era horrível, mas com o passar dos anos foi melhorando e hoje ela disse que gosta muito de onde reside. Disse que tem muitos vizinhos amigos e queridos citando como exemplo o ícone do Rádio de Santa Rosa, Mauri Carlos e sua família. Ela afirmou: “Seu Mauri é muito querido”.

Após estar morando em Santa Rosa conseguiu se aposentar. Ela pagava o INSS como costureira e inicialmente recebia três salários mínimos, hoje recebe apenas um. Ela disse: “O governo tirou, tirou, tirou, né, mas tá bom, tem casa, consegui casa né!”

Quando questionava sobre o que ela diria para as pessoas hoje, após passar por tantas dificuldades, a senhora Kazuko Sakai, olhou para o repórter e de forma direta disse:

“Não peça tanto a ajuda de outra pessoa quando por ventura estiver passando por dificuldades. Para os pobres a culpa é sempre do governo ou de outro alguém. Nós nunca ganhamos nada, após dois ou três anos de trabalho, arrendávamos um pedacinho de terra para plantarmos e tínhamos que pagar por isso todo fim de ano, o valor era altíssimo. Hoje em dia não querem trabalhar a terra, nem sabem, nem tem vontade de aprender, e ficam pedindo para o governo sustentar! Isso não é bom! Tem que ter orgulho e trabalhar!”.

Hoje com 82 anos, além do filho Katsumoto Sakai, ela é avó de dois netos com nomes brasileiros, Alan Felipe Sakai e Marcel Henrique Sakai, ambos também médicos cardiologistas seguindo o exemplo do pai e orgulho dos avós.

PESQUISA PORTAL PLURAL

No caso do Rio Grande do Sul, a primeira tentativa de instalação da colônia japonesa, na região de Santa Rosa, mais precisamente em Horizontina, se iniciou em 1936, através da Companhia de Imigração Japonesa, e por intermediação da Dahne Conceição & Cia., mas por se situar na região ribeirinha do Rio Uruguai, zona de segurança nacional em plena segunda guerra mundial, e por medo de perder suas terras, a maioria dos japoneses venderam suas propriedades. Deste modo, esta colônia acabou fracassando, hoje considerada colônia desaparecida e seus antigos moradores e seus descendentes se encontram espalhados em todo o Brasil, inclusive na região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul.¹

Fontes: Entrevista: Silvio Brasil | Pesquisa Histórica: Jonathan Accioly Schwerz (John)
– ANDO, Zenpat. Estudos sócio-históricos da imigração japonesa. São Paulo: Centrode Estudos Nipo-Brasileiro, 1976. p.186.
– CARTIER, Raymond, Segunda Guerra Mundial,. Rio de Janeiro: Editora Larousse do Brasil, 1967, a v.2.
– ¹ OGASAWARA, Kôei, Kieta Ijûti wo motomete (A procura das colônias japonesas desaparecidas).
In: Livro comemorativo cem anos da imigração japonesa. São Paulo: Centro de Estudos Nipo-brasileiros. V. 3, pp. 230-243

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