“Acho que a distância do Brasil aumentou, a saudade aumentou. Poder ir ou não deixou de ser uma escolha. Agora, não há perspectiva de quando vou reencontrar minha família”, diz a bióloga Laís Maia, de 29 anos, que mora em Christchurch, na Nova Zelândia. “Antes, eu podia falar ‘Pego um voo e vou’. Quando não se tem essa possibilidade, a distância fica maior”, concorda o diretor de arte Daniel Cazzamatta, de 33, que vive no Porto, em Portugal.
Nas últimas semanas, a reportagem do Estadão ouviu depoimentos sobre o ano de 2020 de sete brasileiros que vivem fora do País. Se por um lado alguns deles se sentem sortudos – e até aliviados – de estarem em lugares cujos governos lidaram melhor com a pandemia, por outro lamentam a solidão de um ano em que não houve contato pessoal com a família.
Cazzamatta, por exemplo, vive fora há cinco anos. Primeiramente, na Itália. Agora, em Portugal. Nesse período, nunca ficou mais do que um ano e meio sem visitar os parentes. Em 2020, ele e a mulher já tinham até comprado passagem para outubro. O voo foi cancelado e a companhia emitiu um voucher para remarcação. “Decidimos esperar mais, porque os casos voltaram a aumentar.”
Para ele, o pior momento foi viver a distância o luto pela perda do avô. “Eu queria ter ido ao velório. Mas não pudemos. Depois, pensamos em passar o Natal. Seria importante estar com a família Meu avô era muito pilar, era quem unia todos.”
Aceitar não ir ao Brasil também foi difícil para Laís. Ela vive há três anos na Nova Zelândia, onde faz pesquisa de doutorado na Universidade de Canterbury. Nos dois primeiros anos, nem podia pensar em viajar – ela precisava acompanhar diariamente a pesquisa que realizava ou os insetos de seu experimento morreriam. Tão logo terminou essa fase, ainda em 2019, comprou bilhetes para as esperadas férias no Brasil. Seriam em abril de 2020.
“Estava superansiosa. Quando em fevereiro começou a surgir o assunto da pandemia, pensei que não poderíamos ir mais”, lamenta “Me sinto sortuda por viver aqui, mas foi um ano em que me senti mais isolada, mais triste.”
Para Cazzamatta, até mesmo a decisão de morar fora tem sido reavaliada. “Antes, para mim era tranquilo. Eu pensava: qualquer coisa pego um voo e em 12 horinhas estou em casa. Agora, o cenário mudou. E mudou nossa percepção inclusive sobre querer continuar aqui ou não.”
Pescaria adiada
Este foi o primeiro Natal que o arquiteto Gustavo Minosso, de 40 anos, não passa com seus parentes no Brasil. Ele vive em Milão, na Itália, onde tem um escritório há 13 anos. A decisão sobre a quebra da tradição foi tomada em setembro. “Vi que a situação aqui na Europa iria piorar e poderia acabar ficando ‘preso’ no Brasil ou ser obrigado a fazer quarentena quando retornasse.” Aficionado por pescaria, ele tem o hábito de organizar passeios com o irmão todos os anos. Agora, suas expectativas para rever os parentes foram adiadas para agosto, período de férias na Itália. Enquanto isso, contenta-se em pescar nos lagos de Como e de Garda, por exemplo, perto de Milão.
Para a empreendedora Maria Fernanda Hinke, de 39 anos, também será exceção passar as festas de fim de ano longe da família. Ela mora em Paris, na França, desde 2012. Como trabalha com cicloturismo, aproveita os meses frios de dezembro a fevereiro, quando não há demanda, para visitar o Brasil.
Fernanda conta que tomou a decisão de não ir há sete meses, quando entendeu a proporção da crise. Para ela, é uma questão de consciência. “Não é o momento de fazer esse tipo de viagem, de fazer o vírus circular. E tem o fato de que o Brasil está administrando muito mal a crise.” Ela está com saudade. “Quando moramos fora, temos a expectativa de passar esses momentos com a família. Gostaria de abraçar minha mãe, meus irmãos, minha sobrinha.”
Moradora de Senago, na Itália, a arquiteta Virginia Fabri, de 36 anos, é outra que lamenta a distância dos parentes nesta época. “Será o primeiro ano que não vou ao Brasil”, conta ela, que vive na Itália desde 2009. Em abril, sua irmã e seu cunhado iriam visitá-la. “Já tinham passagens e acabaram suspendendo”, relata. Os pais dela também pretendiam ir à Itália, mas foram forçados a mudar os planos. “A gente sempre teve esperança, essa coisa de vai melhorar, vai melhorar. Mas, infelizmente, não melhorava”, lamenta.
Desde que se mudou para Estocolmo, na Suécia, o plano da nutricionista Carla Avesani, de 47 anos, era visitar o Brasil a cada 18 meses, uma vez no verão, outra no inverno. A última vinda foi em julho de 2019. Era a hora de passar o Natal com a família. “Pela dificuldade em planejar viagem com a covid, achei melhor adiar”, diz Carla. “Não só pelos voos e regulamentações, mas porque parte das pessoas com quem iríamos conviver é do grupo de risco.”
Dor de não estar presente. Para a física e divulgadora científica Gabriela Bailas, de 29, dona do canal Física e Afins no YouTube, pior do que não passar as festas de fim de ano com a família é ficar vendo postagens nas redes sociais dos entes queridos confraternizando. “O Natal é uma data que pega, porque está todo mundo celebrando com a família”, afirma ela, que mora em Tsukuba, no Japão, onde trabalha no centro de pesquisas para inteligência artificial da universidade local.
Gabriela vive no Japão desde 2018. Mas antes morou em Portugal e na França. Estava tudo certo para ela passar as festas no Brasil Seria, aliás, a primeira vez que seu marido, japonês, conheceria o País. A dolorosa decisão de adiar os planos foi tomada no meio do ano. Não será a primeira vez que Gabriela ficará longe dos parentes nesta época. “Quando eu morava na França, passei o Natal sozinha uma vez. Foi muito ruim. Minha família até me colocou, por Skype, na ceia de Natal”, lembra. “Mas é uma coisa que eu não recomendo.”
Visto especial
Na casa da funcionária pública Margareth Bailas, de 51 anos, a mala continua pronta, como se ainda fosse viajar de Pelotas para Tsukuba, no Japão. Em 17 de setembro, ela soube que a filha, a física Gabriela Bailas, de 29 anos, que mora do outro lado do mundo, talvez precisasse passar por cirurgia. O problema é que brasileiros já haviam sido proibidos de entrar no Japão. Começava ali uma batalha de mãe. “Telefonei para o consulado japonês em Porto Alegre”, conta. “Queria saber se a viagem seria permitida se Gabriela fosse submetida à cirurgia.” Margareth soube que vistos especiais estavam sendo concedidos com autorização direta do Japão. O caso foi aprovado. “Achei sensível da parte deles.” Uma notícia boa: Gabriela, felizmente, não precisou de cirurgia. Mas as malas de Margareth continuam ali.
Voos cancelados
Em 2020, os brasileiros acabaram sendo barrados ou impedidos de realizar viagens internacionais. Não foram poucos os que perderam compromissos de trabalho e tiveram de enfrentar a saudade de pessoas queridas. Ou mesmo passaram pelas duas situações.
É o caso, por exemplo, da gerente de programas socioambientais Camila Daminello, de 34 anos, que trabalha em uma instituição cuja sede fica nos Países Baixos. Neste ano, ela praticamente colecionou bilhetes aéreos de voos cancelados. Pelo planejamento de janeiro, ela iria pelo menos oito vezes a trabalho para a Europa neste ano. E pretendia fazer ainda duas viagens estritamente pessoais – o namorado dela vive na Itália, onde faz o doutorado.
“Seria um ano inteiro de viagens. Cheguei a comprar diversas passagens. A primeira, em março, foi cancelada cinco dias antes. Fiz as malas, troquei dinheiro, comprei presentes, tudo estava preparado”, recorda-se. “Ainda no primeiro semestre, tive mais duas viagens para a Europa canceladas, com passagens compradas e tudo.”
Camila conta que, nos primeiros meses, ela e o namorado passavam a maior parte do tempo livre pesquisando as restrições e as constantes mudanças de regras em cada país, alimentando esperanças e pensando em alternativas improváveis. “Estava muito desgastante. Aí, em maio, mudamos a chavinha.” Os dois estão há quase 11 meses sem se encontrar.
Funcionária de uma instituição do governo italiano, a economista Pauline Vargas, de 42, também tem as viagens internacionais na rotina de trabalho. Em 2020, ela deveria ir pelo menos quatro vezes a Roma. Tudo foi cancelado e seu dia a dia profissional passou a ser repleto de teleconferências.
Ela espera que, tão logo a situação se normalize, as viagens voltem a ocorrer. “Por outro lado, reconheço que viajava muito a trabalho”, comenta. “Gostei de reduzir essas viagens. Quando retomar, espero não voltar no mesmo ritmo.”
O sociólogo Bruno Santos, de 31, mudou-se há dois anos para a Itália, onde faz doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Ainda na primeira onda da pandemia na Europa, retornou a São Paulo para ficar ao lado da família, já que as aulas passaram a ocorrer online. “Foi muita dificuldade para conseguir embarcar”, recorda.
Seu plano era voltar à Itália no início do semestre, em setembro Mas a Itália restringiu os voos que partiam do Brasil. Nesse meio-tempo, venceu sua carta de permissão – o documento provisório que dá a ele o direito, como estudante, de viver como estrangeiro na Itália. “Não pude renovar porque não estava em território italiano.”
Para a família Vasconcellos, a separação que seria de um ano acabou se tornando um ano e meio longe. O tecnólogo Davi Vasconcellos, de 36 anos, se mudou a trabalho para Radovljica, na Eslovênia, em abril de 2019. Pela legislação local, sua família estaria autorizada a viver no país com ele exato um ano depois. Com a pandemia, Vasconcellos só conseguiu dar entrada no pedido de reunificação familiar em maio. O processo demorou mais do que o normal e saiu apenas em julho. Ao chegarem à Eslovênia, a mulher e os dois filhos dele ainda precisaram passar por 14 dias de quarentena.
O reencontro, como era de se esperar, foi marcado por lágrimas. “Foi emocionante. Nunca imaginamos ficar tanto tempo separados”, diz Ilislane, de 35 anos, a mulher de Davi.
Por Edison Veiga, especial para o Estadão
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