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OS ANOS SILENCIOSOS

por Teresa Christensen

Mesmo antes da entrada do Brasil na segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas criou instrumentos legais para reprimir o conjunto da população de imigrantes e seus descendentes, particularmente os de origem alemã, italiana e japonesa. Claro que tais interferências não nascem da noite para o dia. Em 1935, já havia uma campanha de nacionalização, com o objetivo de combater os chamados “quistos raciais”.

Uma série de decretos específicos foram editados para controlar as atividades dos estrangeiros, incluindo a proibição do uso da imprensa, da publicidade, da difusão e de falar idioma pátrio. Estava em curso a preparação para instauração do Estado Novo, alicerçado no conceito autoritário de Estado.

Além dos órgãos de controle estatal, entre eles, o Serviço Registro de Estrangeiros e as Delegacias Regionais de Ensino foram decisivos para instrumentalizar a educação em torno da nacionalização, frustrando qualquer tentativa de manter as escolas paroquiais. Havia muitas denúncias contra as escolas alemães e italianas entre outras. Encontram-se as denúncias feitas por Francisco Salles Guimarães, fiscal do ensino particular em Santa Rosa, que envia ao Secretário de Educação, um caderno escrito em alemão que pegou da irmã da professora da Escola Dr. Pedro de Toledo.

– Denuncia também o Padre Rauber, vigário de Campina das Missões, flagrado rezando o terço em alemão junto a uma família.

Também se encontram denúncias feitas pela Inspetora da Nona Região Escolar, Srta. Margarida Pardelhas, que observava a conduta capciosa dos professores, detendo na rua as crianças que saiam da escola e observando os seus cadernos.

A Diocese de Porto Alegre estabeleceu para todas as paróquias que todos os sermões e práticas religiosas deveriam ser realizados em português. A língua falada parecia ser o grande motivo da vigência de pensamentos totalitários. Porém, a maior repressão foi desencadeada contra as Igrejas Luteranas, os pastores sofreram muitas perseguições e prisões nos campos de internamento, sujeitos a trabalhos forçados. Inclusive, aqui em Santa Rosa, tínhamos o famoso campo de internamento da vila Planalto.

Todas essas atitudes criou um clima de tensão, de silenciamento e de medo nas regiões coloniais, marcando profundamente as gerações jovens que foram levadas a negar a sua própria identidade. A partir de então, percebe-se um silêncio constrangedor causado pelas muitas desarticulações dos seus hábitos de vida particularmente da escola e da igreja.

Em janeiro de 1942, o Brasil rompe as relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e desencadeia uma série de medidas rigorosas de disciplina e segurança nacional nas comunidades de imigrantes. Entre elas a proibição de qualquer tipo de reunião, assim como falar os idiomas de tais países em espaços públicos, a instituição de salvo-condutos para se deslocar de uma cidade para outra e a proibição de portar armas.

Porém, no caso da radiofonia, estabeleceu-se rigor absoluto na interdição de estações clandestinas e de rádio amadores especialmente as de propriedade de estrangeiros, que deveriam ser denunciadas à Chefia de Polícia e na fiscalização de aparelhos de rádio sem registro, deveriam ser recolhidos a Agência dos Correios e Telégrafos. As penas passaram a ser aplicadas à toda comunidade de origem estrangeira e não apenas aos políticos e grupos de posições claramente nazistas e fascistas.

A possibilidade de possuir um aparelho de rádio, registrado nos Correios era um privilégio das classes mais favorecidas entre os anos 30 e 40. Além disso, aproximadamente 2% da zona rural do País era servida de energia elétrica, justamente o território em que se encontrava boa parte das comunidades de descendentes alemães e italianos.

Foi um tempo muito difícil, haviam incursões inesperadas de policiais civis que faziam devassa nas casas dos pretensos nazistas ou quinta-coluna por causa de falsas e infundadas denúncias. Nas devassas e buscas acabavam levando rádios receptores e todos os livros que eles achavam que faziam alusões sobre o Eixo, inclusive Bíblias. Assim se foram obras históricas e de ensinamentos artísticos e que nunca mais voltaram para os seus verdadeiros proprietários.

Uma pequena revista “Vida Policial”, editada entre 1942-43 era o principal órgão mensal da Repartição Central de polícia, que divulgava de forma agressiva o combate as ações nazistas. Os textos buscavam acirrar os ânimos como a edição de setembro do mesmo ano, na série “Cortando as asas do nazismo” e noutra seção da revista “Os astros da quinta-coluna’ com fotos e comentários mordazes sobre os acusados. É o caso do agricultor de Santa Rosa (RS) Reinaldo Gewehr que fez do Hotel Colonial, de sua propriedade um foco de atividades nazistas, promovendo grandes reuniões para ouvirem rádio. Declarou que “a Alemanha irá invadir o Brasil”. Foi recolhido a Colônia Penal Agrícola, denuncia a Revista.

O que se percebe era que a represália dependia sobretudo dos representantes das autoridades locais e as suas relações com os colonos e imigrantes.

Assim, nesse tormento, viveram os anos de guerra os colonos de origem. Foram anos silenciosos, de medo, de repressão, de violência e de muito sofrimento. Este é um tema de grande significado para a história da nossa região ao tempo da Segunda Guerra Mundial.

É um assunto que durante muito tempo foi tabu. Mesmo assim, penso que deve ajudar a compreender melhor a nossa história recente, particularmente para os mais jovens. Com certeza estas referências devem ser doloridas para muitos, porém este é o papel da História, desencavar o que jaz coberto por uma fina camada de poeira e trazer a luz o que precisa ser descoberto.

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