Ao norte de Esmeralda, que teve seu acesso pela RS-456 pavimentado há poucos anos, está Pinhal da Serra. Lá, ao menos por vias gaúchas, o asfalto ainda não chegou. A distância entre as duas cidades é ampliada por 25 quilômetros de uma estrada de terra e delimitada por vastas lavouras que dançam ao sabor do vento produzido pelos caminhões. O município de 1.941 habitantes está no limite do Rio Grande do Sul, separado de Santa Catarina pelo Rio Pelotas e pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande. Da sua zona urbana até a primeira cidade catarinense são mais 14 quilômetros, porém, asfaltados.
— É até vergonhoso estarmos conectados por asfalto para o resto do Brasil, menos para o nosso Estado — observa o prefeito Anderson de Jesus Costa.
Entre as duas cidades gaúchas está fixada a maior empregadora da cidade, excluindo a prefeitura. Da Granja Pinhal saem anualmente 12 milhões de ovos já separados, classificados e higienizados por 23 funcionários. A delicada tarefa de transportar a produção por 156 quilômetros até Ibiaçá sem trincar nenhum deles recai sobre os ombros do caminhoneiro Rodrigo Lazzarotto, 38 anos. A missão exige serenidade e perícia, sobretudo nos quilômetros iniciais, para desviar de qualquer ondulação que possa comprometer a carga.
— Ando a 10, 15, 20 km/h na estrada de chão. Se vou em dia de chuva, até menos. Tem que ter cuidado com buraco, valeta. Não pode balançar, porque vai quebrar. No asfalto posso andar a 80 km/h tranquilamente — explica.
O tempo que leva para vencer 20 quilômetros de chão, ziguezagueando de um lado ao outro, é o mesmo para fazer os demais 136 quilômetros de asfalto: uma hora e meia. A empresa se instalou em Pinhal da Serra no ano de 2012, prospectando o asfalto que avançava pela RS-456, mas que não passou de Esmeralda.
— O caminhão não anda, ele se arrasta. Com esse tempo que se perde aqui, poderia buscar a produção de outra granja, ganhar tempo. Muitas empresa não vêm investir aqui por causa desse acesso — observa Ronei Casagrande, sócio da granja.
Das 54 cidades sem ligação asfáltica, Pinhal da Serra é a que tem o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita. O desempenho econômico é impulsionado pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande, construída em 2001. Embora importante, a receita gerada não é suficiente para desenvolver o município na velocidade que o prefeito gostaria. Resta, então, buscar outros investidores.
— O problema é que em reuniões regionais de negócios, a gente fica até excluído por não ter acesso asfáltico. A conversa termina quando fala que para chegar na cidade tem 25 quilômetros de estrada de chão — reclama.
O chão batido também pesa no bolso da prefeitura. O trecho entre Esmeralda e Pinhal da Serra é conservado pelos dois municípios. O lado pinhalense, de 15 quilômetros, exige investimento de aproximadamente R$ 50 mil a cada 90 dias. Embora seja de responsabilidade do Estado, a prefeitura faz melhorias para manter a estrada trafegável. Já para manter os 14 quilômetros asfaltados que seguem para o norte, em direção à catarinense Anita Garibaldi, a prefeitura desembolsa cerca de R$ 2 mil no mesmo período.
— Se a estrada é asfaltada, manter depois é bem mais barato — explica Anderson.
Assim como a poeira, os reflexos do chão batido estão para onde quer que se olhe. Roberto Júnior Silveira Borges, 47 anos, mora às margens da RS-456. Ele nem cogita a possibilidade de tomar chimarrão no gramado que mantém aparado em frente à casa. Seria engolido de tempo em tempo pela nuvem de poeira que se levanta da estrada. Nem a vegetação plantada entre o terreno e a rodovia são suficientes para barrar a terra que se espalha pelo ar. Aliás, na briga de cores, o marrom tem levado vantagem sobre o verde.
Para pintar a casa, Borges engatou no trator um reservatório de água. Duas vezes por dia, molhava um quilômetro de estrada, permitindo o trabalho do pintor. Foi a maneira de conseguir domar o pó que o importuna desde a infância, causando até alergia. A médica otorrinolaringologista Jéssica Lima explica que essa exposição à poeira pode ocasionar consequências maléficas à saúde, como inflamações, pneumonias por hipersensibilidade, rinite alérgica e doença pulmonar crônica. Borges vive da produção de leite. Paga de frete o equivalente a 10% da produção. Se a estrada fosse asfaltada, diz que o custo cairia pela metade:
— Somos penalizados pelo nosso acesso. Fica mais caro o frete. Tudo o que a gente compra de alimentação, insumo agrícola, transporte do leite é mais caro. Alegam que de Esmeralda até a minha propriedade tem de fazer 18 quilômetros de chão, que se cortar um pneu já dá R$ 500 para arrumar. E daí tu te obriga: ou paga o que querem ou fica sem.
Gaúcha/ZH
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