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O grande projeto de um homem a frente do seu tempo

Quem passa ao largo do Centro Cívico desde o final do mês de Outubro percebe a extensa movimentação de pessoal e de materiais pelo seu interior. Pelas placas informativas afixadas toma-se conhecimento de que o teatro encontra-se com as atividades culturais suspensas, inclusive as sessões de cinema, para a realização do projeto de reforma da cobertura e forro, que acarretará melhores condições térmicas, bem como melhorias no sistema fluvial de escoamento das águas de chuvas na rua, estando sua conclusão prevista para o mês de dezembro.

O projeto com intervenção em área de 1.158,20m² prevê a retirada do telhamento e forro existente, a colocação de novo telhamento com telhas metálicas com isolamento termo-acústico e novas calhas em aço galvanizado, a troca de fiação elétrica, finalizando com a instalação de novo forro de lã de vidro, com resistência ao fogo classe IIA e sensores de detecção de fumaça, e ao final, pintura em todas as paredes internas e nos revestimentos de madeira.

Some-se isto às melhorias já verificadas desde a assinatura de contrato de parceria com empresa privada para instalação do cinema há 5 anos atrás, tendo sido instalado de novo sistema de som, ampliado o sistema de climatização, bem como substituídas todas as poltronas na parte térrea entre 2018 e 2019, e constata-se que o teatro ressurge renovado e pronto para enfrentar, revigorado, as propostas culturais das próximas décadas, recebendo de portas abertas as novas gerações.

Assistindo ao último Concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre realizado no Centro Cívico em 25 de outubro deste ano, e reconhecendo ser o Centro Cívico imprescindível para a vida cultural local, o que muitos talvez sequer percebam, me propus conhecer mais da história do prédio e iniciei a busca por informações junto ao acervo histórico existente no Município.

Para melhor entender o que significou por aqui a construção e a inauguração do Centro Cívico Municipal no período compreendido entre os anos de 1978 a 1982, foi preciso acessar a cidade daquela época se valendo do acervo textual, gráfico e fotográfico disponível, que é amplo . E isso só foi possível com a preciosa e indispensável colaboração de Anete Krebs Guimarães e Robélia Dani junto ao Museu Municipal e de Joel Faccin na Câmara de Vereadores.

Para os que não viveram a época é preciso contar que naqueles anos Santa Rosa crescia rapidamente e se destacava no cenário econômico do Estado como um dos mais dinâmicos e desenvolvidos pólos regionais do Rio Grande do Sul. Tinha então uma população estimada de 54.000 habitantes (42.000 na zona urbana e 12.000 na zona rural). A soja colocava o Município em posição relevante no país, projetando-o como um dos maiores centros latino-americanos da indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, suprindo grande parcela do mercado nacional ao mesmo tempo em que se iniciavam as exportações.

Os que lembram dessa época, sabem que também éramos um dos maiores centros de laticínios do Estado, bem como de industrialização de suínos. Aqui estavam empresas cujos nomes repercutiam país afora: Frigorífico Santa-Rosense S/A. (um dos três frigoríficos brasileiros autorizados à exportação); Laticínios Mayer S/A., Indústria de Máquinas Ideal S/A.; Grupo Olvebra.

No interregno entre 1978 e 1980 lançou-se o Distrito Industrial. O comércio era rico e se desenvolvia, ruas e avenidas eram asfaltadas (entre elas a Expedicionário Weber, iniciando em 1979). Linhas telefônicas eram instaladas em grande número, agilizando a comunicação. Lançou-se uma campanha para fortalecimento das empresas locais, motivando a população a investir seus rendimentos no próprio Município, fortalecendo as empresas com aumento de capital social. Inaugurou-se o novo prédio da L.B.A., do Corpo de Bombeiros, do SESI/SENAI, do Centro Social Urbano no bairro Cruzeiro. A educação desenvolvia-se rapidamente, com o surgimento de várias escolas estaduais e municipais, consolidando-se também cursos de nível superior, o que, conforme dizem as publicações disponíveis, colocou a cidade entre os sete municípios mais progressistas do Estado.

Tínhamos a Feira de Ciências acontecendo no Parque de Exposições. O Poder Público investia na compra de livros para a Biblioteca Pública, totalizando um acervo de 7 mil volumes. Surgia a maior área de lazer de então, a Praça 10 de Agosto, a primeira com 3 quadras esportivas.

Progredíamos a passos rápidos. Em 1978 aparecíamos em 116° lugar entre os 500 municípios mais desenvolvidos do país, sendo superado apenas por outros seis municípios gaúchos. Nada mau para um município emancipado há apenas 47 anos, em 1931.

A campanha da gestão do então Prefeito Antonio Carlos Borges era “Santa Rosa Vive. Viva Junto!”. No material impresso há uma frase revelando sua visão pessoal do futuro: “(…) Seu progresso, sua sede de crescer cada vez mais”.

Ainda, em 1981 comemoramos o Cinquentenário da emancipação da cidade. Esse progresso foi fortemente evidenciado na 5ª Fenasoja, que contou com a presença do Presidente da República, João Figueiredo, e do Governador do Estado, Amaral de Souza. As lideranças políticas e empresariais desfrutavam de prestígio e amizade junto às autoridades da época, o que certamente ajudou na atração de recursos públicos para investimentos. A cidade atraia olhares bem mais atentos, nossa produtividade nos tornava conhecidos no restante do País como o “Berço Nacional da Soja”.

E é aí que entra o pensamento visionário do Prefeito Borges, que via na Cultura o elo faltante nessa corrente de desenvolvimento econômico e social consistente, que uma vez solidificado certamente impulsionaria a qualidade de vida dos seus cidadãos, refletindo nas novas gerações. Com a inauguração do Centro Cívico queria que a cidade pudesse constituir-se em um grande pólo cultural do Rio Grande do Sul, oferecendo uma infraestrutura moderna e dinâmica para diversos eventos culturais e assim estimulando a cultura criativa, propiciando o surgimento de novos talentos.

DA FORTE OPOSIÇÃO AO PROJETO:

Mas até a chegada desse momento angariou um aguerrido e combativo opositor na Câmara Municipal, o então vereador e candidato a deputado federal pelo MDB, Erani Muller, contrário aos investimentos no teatro, que no seu entender deveriam ser destinados a outras áreas. Firme em sua posição cunhou o termo “elefante branco”, que se tornou famoso nas conversas locais. Das posições do vereador Erani, expressas em textos ou jornais, pouca coisa se têm a disposição para pesquisa. Nas atas das sessões da Câmara Municipal desses 5 anos quase nada sobre o teatro foi registrado. Uma das poucas é a ata do dia 06 de agosto de 1979, onde se lê sua forte cobrança por respostas por parte do Poder Executivo quanto ao custo inicial da obra, prazo para conclusão, qual a modalidade adotada para a concorrência pública, qual o montante gasto até aquela data, se o montante final corresponde ao apresentado quando da concorrência pública.

Os debates envolvendo a questão, aliados ao avanço das obras em pleno centro da cidade alimentavam a curiosidade da população, que era informada pela imprensa local. Na edição de 07/06/1979 do Jornal Noroeste: “CENTRO CÍVICO: O ANDAMENTO DAS OBRAS – Na última sexta-feira, dia 1° de junho, o prefeito Borges esteve fazendo uma visitação a todas as obras, sob responsabilidade do município. Foi bastante grande sua alegria ao constatar o bom andamento da obra do Centro Cívico, localizado na esquina das ruas Buenos Aires e Cristóvão Colombo”.

Em reportagem do Jornal Noroeste datada de 11/04/1980, lemos sobre viagem realizada a Brasília, onde entre outros assuntos o Prefeito Borges buscava angariar verbas “de auxílio para complementação das obras do Centro Cívico de Santa Rosa. Sabe-se que sua edificação, em 1978 foi orçada em Cr$ 4.300.000,00. No entanto, dado que entre a elaboração do projeto e sua execução transcorreram quase dois anos, e consequentemente, o orçamento previsto ficou muito aquém dos investimentos exigidos para a atual realização da obra. O montante para a total conclusão da obra, segundo levantamento recentemente feito, ultrapassa a casa dos Cr$ 7.000.000.00”.

A ironia fina à oposição aparece ao final da reportagem publicada no dia 17/09/1981 no jornal O Grande Santa Rosa, intitulada “CENTRO CÍVICO EM FASE FINAL”, nas palavras do então Secretário Municipal de Obras, Milton Witzack, onde, ao final, afirma: “que o pensamento do Prefeito Municipal Antonio Carlos Borges, quando recebia recursos para uma obra cultural, foi de construir um local onde a comunidade Santa-rosense pudesse ter perto de si, uma casa de espetáculos culturais a nível das melhores do Estado, e principalmente, para aqueles que criticam a obra, possam ter ali um meio de melhorar sua cultura”.

Eram os tempos do regime militar, os partidos de oposição enfrentavam severa repressão. Nas bem-humoradas palavras de Adivasson Negelski, em seu depoimento no livro “Desnudando a Alma – Antonio Carlos Borges” (organizado por Leila Beatriz Pinto e Maira Beatriz Engers, publicado em 2007): (…) “Começava como redator do Rádio Jornal Noroeste, quando a Noroeste ainda era rádio sul brasileira, no finalzinho da ditadura militar, época em que algumas figuras políticas eram vetadas a falar no rádio. Entre elas, Erani Guilherme Muller, suplente de deputado federal pelo MDB de Santa Rosa. Em busca de notícias e sem saber que Erani fazia parte da lista “negra”, entrevistei o “Frangão”, que malandramente, aproveitando a oportunidade rara, e explorando minha inocência, baixou a lenha no então Prefeito Antonio Carlos Borges, a quem denunciava pelo fato de ter investido uma fortuna no projeto do Elefante Branco, era assim que a oposição de Borges denominava o Centro Cívico Cultural, que seria construído em uma quadra de esporte da então Escola Normal Visconde de Cairú. A notícia estourou como uma bomba. Quando cheguei a rádio na parte da tarde, o bochincho estava armado. E eu, convocado a dar esclarecimentos a direção da emissora. Passando o xixi, e certo de que não seria despedido no meu primeiro dia de trabalho fiquei no aguardo da mijadinha oficial. Eram aproximadamente três horas da tarde, recebi um convite da secretária de gabinete ainda naquele dia. Armei-me com um gravador e fui enfrentar a “fera”. Chegando ao gabinete, ainda meio sem jeito, me acomodei em uma poltrona que ficava no lado oposto da mesa prefeitural. Por quase duas horas, pude observar o Borges despachar, porém, o receio do xingamento ainda me assustava. Quando limpou a área, Borges se aproximou, ordenou, que a dona Cleci me servisse um chá, e lascou: “Você é o neto do seu Wilson Gomes”?” Respondi: Sim. Então ele passou a falar a respeito do meu velho avô, a quem tinha profundo respeito e admiração, pois, segundo palavras suas, foi em sua casa que Antonio Carlos Borges havia dado os primeiros passos na vida política. Encantado com a recepção e com a história por ele contada, já me sentia íntimo do prefeito. Foi aí que Antonio Carlos Borges disse: “Estou indo a Brasília, gostaria de lhe dar uma entrevista em primeira mão”. Liguei o gravador e gravei o roteiro que o prefeito de Santa Rosa cumpriria no Planalto Central. Terminada a explanação, com o gravador desligado e pronto para ir embora, já apaixonado pelo jeito dinâmico e objetivo do prefeito que meu avô lançou na política, fui surpreendido por Borges: “Adivasson, preciso responder esse rapaz que me atacou na ´radio hoje ao meio-dia.” Prontamente, voltei a ligar o gravador e ouvi uma das respostas mais interessantes que um político poderia dar. Finalmente estava rompida a lei da mordaça na mídia de Santa Rosa e, eu, mais do que nunca passei a ser um admirador de Borges. Do Irani, sou amigo até os dias de hoje e sempre que conversamos a respeito desse assunto ele me diz: “Adivasson, você abriu as portas da rádio para a verdadeira oposição ao regime militar em Santa Rosa e de quebra ajudou Borges a fazer história, nosso erro era atacar o que o baixinho fazia. Acabávamos dando armas ao PDS”. Essa é apenas uma das muitas histórias que tenho com Borges, um homem que viveu pouco, mas o suficiente para construir uma história que ficará marcada no tempo, avisada por obras como o “Elefante Branco”.

Infelizmente Adivasson, que também viveu pouco, neste depoimento não revela a resposta dada por Borges à Erani. E sem informações quanto à existência do registro da gravação em arquivos ainda hoje, com seu falecimento levou-a consigo. Talvez encontremos um pouco dela nas palavras do discurso de Borges por ocasião da inauguração do teatro:

“A par destes festejos, entendemos que o Povo de Santa Rosa, a tradição cultural do Município, estava a merecer uma obra de vulto, condigna com o homem desta Terra. Por isso, projetamos o Centro Cívico e Cultural. A par das obras de asfaltamento (…), a par das praças, Casa do Estudante, obras de saneamento e moradia, prédios escolares e outras inúmeras obras, é o Centro Cívico o marco referencial da passagem do Jubileu de Ouro do Município.

Por isso, de forma nenhuma nos intimidam as críticas infundadas de alguns, que não se conformaram com a realização desta obra. Se ela tivesse sido construída com prejuízo de outras realizações de infra-estrutura ou de atendimento social, a crítica procederia e seria levada em consideração. Mas, no caso de Santa Rosa, quando incontestáveis projetos foram e estão sendo desenvolvidos para garantir maior bem-estar para os homens de vila, não há por que negar a superior validade desta realização que orgulha e orgulhará os filhos desta terra. Além disso, é relevante lembrar que a quase totalidade dos recursos empregados nesta obra não teriam vindo a Santa Rosa se nós não tivéssemos proposto a execução deste projeto. Teriam ido, quiçá, para outras comunas brasileiras e nosso Município continuaria perenemente ressentindo-se da falta de um ambiente propício para acolher e incentivar iniciativas culturais do povo desta terra. O equilíbrio sadio e harmônico de uma comunidade e de um povo requer, ao lado de condições materiais de subsistência, igualmente condições de lazer e cultura”.

INAUGURAÇÃO

Com base nesses pequenos recortes históricos em textos e fotos ainda existentes nos acervos dos arquivos históricos do Museu Municipal e da Câmara de Vereadores hoje temos como visualizar e sentir um pouco do espírito reinante na cidade e, principalmente, no interior do novíssimo teatro. Mesmo que atualmente estejamos acostumados a frequentá-lo, vale fazermos um exercício de imaginação e nos deslocarmos mentalmente até a noite do dia 19/02/1982, sentir a expectativa das pessoas para poder entrar e conhecer o seu interior. Lembremos que na cidade e região não havia nada parecido, em tamanho, conforto e infraestrutura. A aglomeração em frente ao prédio, o descerramento da placa comemorativa e, finalmente, o corte da fita simbolizando a entrega. Vários repórteres, personalidades políticas e empresariais, autoridades ligadas à educação, cultura. Arrisco a dizer que dá até para ver o brilho nos olhos da maioria ao passar pelo hall de entrada e cruzar as portas abertas do grande auditório, visualizando as mais de novecentas poltronas dispostas nos dois pavimentos, o pé-direto muito alto, o grande palco, os cortinados, o mezanino. A satisfação ao sentir o cheiro do carpete novo no piso, da madeira nas paredes, do revestimento das poltronas estofadas.

Da mesa de autoridades formada, cumpre destacar a presença do Secretário Estadual de Turismo, Cultura e Desportos, Jornalista Luiz Carlos Barbosa Lessa, que na oportunidade representava o Governador do Estado José Augusto Amaral de Souza. Para quem não o conhece a força do seu nome no cenário cultural da época, enquanto secretário de Estado foi o pioneiro na transformação, a partir de 1981, do Hotel Majestic na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. Juntamente com Paixão Côrtes, veio a fundar o primeiro CTG do Estado, o 35. É o autor das conhecidas composições regionalistas: “Negrinho do Pastoreio” e “Quero-“Quero”. Nome representativo da cultura rio-grandense, foi romancista, contista, dramaturgo, compositor, jornalista, radialista, pesquisador de folclore e de história, roteirista de quadrinhos, executivo de teatro, cinema e televisão, dirigente cultural e patrono da Feira do Livro de Porto Alegre.

Da edição do jornal O Grande Santa Rosa do dia 25/03/1982 retiramos alguns detalhes da cerimônia de abertura:

“As solenidades de inauguração do Centro Cívico Cultural de Santa Rosa tiveram início às 20h30min do dia 19 de março, com o descerramento da placa alusiva (…) e o corte da fita simbólica. Ambos os atos foram presididos pelo Prefeito Municipal Antonio Carlos Borges e o Secretário Estadual de Turismo, Cultura e Desportos, Jornalista Luiz Carlos Barbosa Lessa, que na oportunidade representava o Governador do Estado José Augusto Amaral de Souza.

(…) Como ato imediato, o Dr. Ari Alves de Camargo, Subdiretor Geral do Tesouro do Estado, fez a entrega ao Prefeito Antonio Carlos Borges, do documento oficial concedendo ao Município a posse do Centro Cívico Cultural de Santa Rosa. O Prefeito Antonio Carlos Borges, ao fazer seu pronunciamento oficial disse de sua alegria, de seu contentamento e da euforia geral que está a tomar conta da comunidade de Santa Rosa, quando lhe é entregue um verdadeiro monumento da cultura. Isto aumenta de significado quando se faz presente uma caravana de homens públicos que tem se dedicado às causas comunitárias, citando o jornalista Barbosa Lessa e sua comitiva.(…) Ao concluir, o Prefeito afirmou: Esta casa é uma casa para todos, e tem como objetivo promover o homem interiormente e ser o elo de ligação entre o homem de hoje e o homem de amanhã.

Também fez uso da palavra o Secretário de Turismo, Cultura e Desporto, jornalista Barbosa Lessa, que destacou o vulto da obra e o grande significado para a cultura regional e estadual.

Na segunda parte, na programação artística apresentou o Coral Evangélico Santa-rosense Shalon, que possui 18 componentes e tem na regência o maestro Patrocínio Pinheiro. Para encerrar o show da noite, apresentou-se o Grupo Nativista “Os Angüeras” de São Borja que fazem o intercâmbio entre pólos e que enriquecem o nativismo riograndense. Ainda no festival de inauguração do Centro Cívico Cultural de Santa Rosa, apresentou-se no dia 20, uma orquestra sinfônica, corais e um grupo de danças polonesas de Erechim. (grifo nosso)

Um recorte da repercussão regional causada pela inauguração vem de um informativo de Campina das Missões, datado de 23/03/1982: “Numa iniciativa pioneira foi construído e inaugurado em Santa Rosa, pela administração Antonio Carlos Borges, o primeiro Centro Cívico do Estado do Rio Grande do Sul. Estreitamente ligado à criação do Pólo Cultural sediado em Santa Rosa, o Centro Cívico destina-se ao cultivo dos valores culturais da região do Grande Santa Rosa. Representando o Sr. Prefeito Municipal de Campina das Missões à solenidade de inauguração o Secretário de Administração, Aloísio João Reis, que nos declarou ser uma obra de grande envergadura e por sua rara beleza e funcionalidade, corresponde plenamente com as necessidades de cultivo que os valores culturais da região merecem”.

Na Câmara Municipal, em sessão ordinária realizada no dia 22 de março de 1982, ou seja, 03 (três) dias após a inauguração do teatro, à fl. 02 se lê a única manifestação falando sobre o evento: (…) O sexto vereador inscrito foi Valdemar Pisoni que apresentou a Mesa os seguintes requerimentos: 1/ Requer envie a Casa correspondência pela inauguração do Centro Cívico ocorrido no último final de semana. Este requerimento foi aprovado por maioria de votos, sendo que se abstiveram de votar os vereadores Julio Osório, Luiz Correa, Sezefredo Milani, Clemêncio Karnikowski e Bruno Sala e que votou contrariamente o vereador Erani Muller. (…)

Estranha-se a inexistência de registros de maiores manifestações de apoio de parte dos vereadores que apoiavam o então prefeito. Nenhuma palavra exaltando o teatro, a cultura, a oportunidade trazida pelo novo espaço, as múltiplas oportunidades que se abriam.

A VISÃO CULTURAL DE BORGES

Seu reconhecimento quanto à importância do acesso da população aos bens culturais aparece já em 1967, quando vereador encaminhou e teve aprovado, por unanimidade de votos, projeto de lei que dispôs sobre a criação da Semana da Cultura, em sessão ordinária da Câmara Municipal datada de 23/10

Pelo que se lê dos textos, jornais e revistas da época, Antonio Carlos Borges projetava estimular inúmeras possibilidades de expressão simbólica dos modos de vida da região, motivações, crenças religiosas, valores, práticas, rituais e identidades. Com a construção do teatro se propôs a fomentar as mais diversas formas de expressão, gerando qualidade de vida, autoestima e laços de identidade entre a população local e regional, formada pelas diversas etnias que a compunham.

Hoje, passados 37 anos da inauguração, nos perguntemos se ele não estava totalmente certo ao levar adiante o projeto de construção, mesmo enfrentando a forte resistência da oposição.

O seu sonho permitiu o acesso a bens e equipamentos culturais que de outra forma não encontrariam local para exercer e usufruir de direitos culturais. Isso sem falar que a existência do espaço certamente estimulou a criação artística, sua expansão e difusão. Com ele vieram o Musicanto, os concertos, espetáculos de dança, teatro, espetáculos musicais, festivais de cinema, palestras, shows em vários formatos, etc. Várias entidades educacionais, de ensino e sociais passaram a fazer uso do espaço para divulgar seus trabalhos. Inegável que favoreceu o surgimento de uma nova dinâmica cultural para a cidade, que somente se desenvolveu.

Atualmente, como local de expressão da nossa criatividade, propicia o surgimento de um novo contexto de valorização da diversidade de expressões culturais regionais, de experimentação artística e de valorização de tradições culturais históricas, já consolidadas. Também funciona como gerador de ocupações produtivas e de renda, protegidas e promovidas pelos meios ao alcance do Estado e da iniciativa privada, via leis de incentivo.

DEPOIMENTOS

Para melhor conhecer o homem responsável pela construção do teatro, quem era e o que pensava, necessário recolher as palavras pronunciadas pelos homens que com ele viveram aquele tempo, devidamente registradas no livro “Desnudando a alma”, organizada por Leila Beatriz Pinto e Maira Beatriz Engers, publicada em 2007:

Jairo Borges Madril – “(…) soube como poucos transformar em obras e avanços sociais sua amizade pessoal com o ex-governador Amaral de Souza. Cito duas, para não discorrer sobre todas: Centro Cívico e o asfaltamento da Avenida Expedicionário Weber, projetos arrojados para os padrões da época”. (pg. 84)

Paulo Laércio Soares Madeira – (…) “alimentava ideias futurísticas, avançadas no tempo, e não se deixava abater pelas dificuldades”. (pg.60)

Antonio Rodrigues Fernandes: – (…) “homem de alongada visão política e tirocínio administrativo”. (pg. 83)

Roberto Donadel – (…) “Antonio Carlos Borges se destacou por tantas ações nos mais diversos setores, mas foi em projetos ousados que mais se destacou. O Centro Cívico que leva seu nome é um exemplo disso”. (pg. 82)

Anatólio Pereverzieff – (…) Foi aí que conheci o lado humanístico e empreendedor do então Prefeito. Toda e qualquer obra ou empreendimento que trouxesse progresso era bem-vinda, donde quer que fosse. Isto fez com que sonhos de uma sociedade mais justa e progressista se tornassem realidade. Precisava também trazer cultura a este povo que tem sua característica voltada exclusivamente para o labor. Logo descobriu, claro, junto a outros, evidentemente, o caminho correto da verba para construir nosso famoso Centro Cívico Antonio Carlos Borges. Merecidamente leva seu nome. Um fato extraordinariamente marcante na minha vida foi ter vindo a Santa Rosa o poeta uruguaio Luis Carlos de Arapey, que era amigo de meu pai, ocasião em que saí a lhe mostrar a cidade, pois era seu hábito vir a cada dez anos, mais ou menos, e quando fomos até as obras do nosso teatro ele insistiu muito que gostaria de ter uma audiência com o Prefeito. Uma ligação e se confirmou o encontro. Trocaram livros e o poeta não se furtou dos melhores elogios pela magnificente obra que se fazia nesta cidade. Era tão necessária quanto útil, pois dali é que sairiam os festivais, concertos, encontros de dança, etc. Verdadeiro laboratório de expressão dos sentimentos da nossa terra. (pgs. 68 e 69)

Aquiles Giovelli – (…) “Como Prefeito todos conhecem suas obras. Impossível descrevê-las. Uma delas, o Centro Cívico que hoje leva seu nome, construído sob permanente bombardeio da oposição na Câmara Municipal, liderada pelo então vereador Erani Muller, que chamava a obra de “elefante branco. Que belo elefante branco!” (pg. 78/79)

Erni Friderichs – (…) “A liderança exercida por Borges se baseava no carisma que cativava adeptos e apoiadores; na capacidade de articulador que somava; na clarividência que cativava adeptos e tirocínio que oferecia soluções; no dinamismo que incentivava e no poder da palavra. A polêmica e o debate o engrandeciam. (…) Construiu, em seu último ano de governo municipal o Centro Cívico que hoje leva seu nome e foi a obra mais rutilante de seu mandato.” (pg. 62)

Nelci Dani – (…) “Para externar a admiração que eu tinha e tenho por este ilustre ícone da política estadual, fui autor de projeto de lei que denominou o nosso anfiteatro de Centro Cívico Cultural ANTONIO CARLOS BORGES, como reconhecimento e gratidão da comunidade santa-rosense por tudo o que fez por ela”. (pg.65)

No informe “Memórias que fazem História”, comemorativo aos 80 anos do Município, datado de 10/08/2011, falando dos prefeitos do seu tempo, em especial de Antonio Carlos Borges, o Prefeito Alcides Vicini ressaltava: “(…) Igualmente, a limitação de ações desenvolvidas de cada ex-prefeito, leva ao risco de exclusão ou esquecimento. Com o Borges, porém, penso redimir-me de qualquer omissão no rol de obras ao mencionar a construção do Centro Cívico Cultural, a menina dos seus olhos, que hoje leva seu nome, palco de grandes eventos culturais que se realizam em Santa Rosa nestas últimas três décadas”.

Valeu o esforço pela construção do Centro Cívico? Que cada leitor dê sua resposta.

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