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A majestade O Sabiá

por Jacinto A. Zabolotsky | Campina das Missões/RS

Sou um desses privilegiados que acorda com o canto do sabiá. Canta todas as manhãs deve estar numa laranjeira, pessegueiro ou em algum quintal da cidade. A única palmeira em que vi sabiá cantar foi no poema de Gonçalves Dias. Talvez porque aqui não existam palmeiras, apenas coqueiros, desses que dão pequenos cocos amarelos.

Dado o esclarecimento, explico agora porque sou um privilegiado. Poderia ser despertado por um despertador ou outras maneiras bruscas, que jogam a gente diretamente do sono na luta cotidiana. Não. Despertar ao canto do sabiá é acordar aos poucos, é ir tirando os véus do sono lentamente, é ir abrindo os olhos para a realidade de forma suave, sem choque. Quem acorda assim sai da cama com ânimo arredondado, sem aspereza na voz e nos gestos, em paz com o mundo.

Segundo Albert Einsten “a coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. Essa é a fonte de toda arte e da ciência”. De vida longa se comparado a outros pássaros, pode durar de 25 a 30 anos. Da classe de aves, ordem passeriformes. De dieta farta pode ser encontrado no chão procurando minhocas, quanto em árvores frutíferas, como um mamoeiro ou amoreira. O Sabiá-laranjeira tornou-se por lei a ave símbolo do Brasil e do estado de São Paulo. Já no século XIX, o seu belo canto inspirou poetas consagrados, dentre os quais Gonçalves Dias aclamava esse pequeno notável na Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras aonde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Outra canção relacionada ao sabiá e que fez e faz ainda muito sucesso: A Majestade – O Sabiá, lançada em 1985 de autoria de Roberta Miranda “…Em minha volta sinfonia de pardais, cantando para a majestade, o Sabiá…”, sendo regravado por vários outros artistas.

Mas não termina aí. Durante o dia, da janela do escritório, é possível, não só ouvir, mas ver como eles são de cor laranja ou ferrugínea de sua barriga ou, pelo seu canto melodioso. São ao todo 19 espécies de sabiás, mais populares do país, tão popular que em 1968, foi declarada por Lei (Decreto nº 63.234) com símbolo nacional para o Dia da Ave, comemorado no dia 05 de outubro. A partir de 2002, o sábia-laranjeira se tornou o símbolo da nação. Nesta época do ano, quando a temperatura começa aumentar, no início da primavera (e curiosamente, neste ano já iniciaram a cantar antes, deve-se ao veranico de julho, ouvi-os cantar já a partir do dia 20). Saltitando, eles se exibem em plena forma física e de plumagem, iniciam o seu trinado já na madrugada e, nos finais de tarde, cantam copiosamente, tanto cantam que a gente perde até o jeito de se queixar do cansaço do dia. Como queixar-se de um dia que termina tão sonoro, com cantos tão apaixonados?

Falei em cantos, no plural, mas ninguém se engane. Embora sejam muitos sabiás, nunca ouvi um coro deles. Também nunca ouvi uma balbúrdia, um querendo se fazer ouvir mais do que os outros. O sabiá canta sempre em solo. Pode até dar a impressão de que existe um único sabiá. Acho que Gonçalves Dias pensou quando escreveu que minha terra tem palmeiras onde canta “o” sabiá. Não escreveu “onde cantam sabiás”. E não foi por causa da rima, que esse problema de rima se dá um jeito de resolver. Foi porque de fato o canto do sabiá parece vir de um único sabiá. Os gorjeios variam a distância de que vem o canto parece maior ou menor, mas a sensação que se tem é de que o cantor é sempre o mesmo.

A conclusão a que chego é de que os sabiás também gostam de ouvir o outro sabiá cantar. Quando um deles limpa a garganta e inicia o seu trinado, os outros fazem silêncio e ficam apreciando. Essa hipótese explicativa baseia-se, é claro, na teoria da harmonia cósmica, em que todos os seres se amam e respeitam mutuamente. Mas pode ser que a teoria certa seja outra, a do conflito universal. Nesse caso, o que os sabiás fazem, cada um por sua vez, é participar de uma competição para saber quem canta melhor. O prêmio, sabe-se lá, pode ser a conquista da sabiá mais bonita ou mais jeitosa. Nesse caso, haveria também entre elas concursos de beleza ou de dotes. Tudo muito complicado. Por isso, prefiro a primeira teoria: o canto do sabiá fala da harmonia da natureza, presentear com uma lição e exemplo as pessoas, que nesta época do ano, ficam mais sensíveis, por isso que a primavera anuncia a chegada de novas esperanças, com encantos, flores e os seus mistérios…

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