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“De quanta terra precisa o homem…”

por Jacinto Anatólio Zabolotsky

Um dia a esposa de Pahóm recebe a visita da irmã, que conta as maravilhas da cidade e critica a miséria em que vive a anfitriã. Incomodada, a esposa dele passa desdenhar a vida na cidade e a defender o modo de vida camponês. O marido, que escutava a conversa, diz a certa altura que, se tivesse mais terras, nem o diabo poderia com ele.

Segundo uma antiga lenda russa, o diabo sempre escolhe a chapa do fogão de algumas casas para passar a noite. Naquela noite, ele estava na casa de Pahóm e, ao ouvir as palavras, resolve aceitar o desafio, momentos de razão e de delírio, se alteravam no coração do protagonista.

A partir daquele dia, o camponês passa a multiplicar suas terras e ganha uma prosperidade sem precedentes. Recebe, então, de um desconhecido, a notícia de que os povos Bashkirs, que viviam em um lugar distante, vendiam excelente terra a um preço baixo. Pahóm vende seus bens e, com a ajuda de um criado, empreende uma longa viagem para a terra dos Bashkirs.

Ao chegar é bem recebido pelo chefe da aldeia e, tão logo é possível, inicia a conversa sobre a compra de terras. O chefe diz que vende “um dia de terra” por um preço que o camponês poderia pagar. Mas que forma era essa de medir terra? Indagou.

O chefe diz que bastava que eles fossem ao topo de uma colina antes do nascer do sol. Depois de entregar ali o valor combinado, o camponês teria o dia todo para demarcar a terra que quisesse e esta seria sua. Mas caso não voltasse ao topo da colina antes do sol se pôr, perderia o dinheiro e ficaria sem terra.

Antes do sol nascer no dia seguinte, Pahóm observou lá do alto, no local combinado, as mais belas terras que jamais tinha visto. Assim que o sol nasceu, ele começou a empreender uma caminhada e a marcar com pequenos montes de terra seu novo domínio. A cada colina que vencia, via terras ainda mais bonitas, que não poderia deixar de fora.

Depois de muito caminhar, percebeu que o sol estava a pino e que era hora de retornar. Mas durante o caminho via terras importantes para compor seu patrimônio. Um belo lago, um pasto que seria perfeito para as vacas ou um vale para cultivo de cevada. Em um dado momento, já bastante exausto, notou que o sol começava a se recolher rapidamente. Correu para chegar ao ponto inicial da caminhada.

Quando estava ao pé da colina, o sol lançava os últimos raios do dia. Desanimado, deixou- se cair prostrado ao chão. Lá do alto os índios gritavam e o incentivavam a continuar. O sol se punha, mas os raios ainda alcançavam o topo da colina. O camponês buscou o resto de suas forças e se lançou e um desesperado esforço para chegar ao cume.

Assim que alcançou o destino, uma última nesga de sol ainda resistia no horizonte. Os Bashkirs comemoravam a cantavam alegres a coragem daquele homem. Pahóm, porém, via o horizonte ficar turvo. Com um filete de sangue correndo no canto da boca, caiu nos braços do chefe, que agora se parecia muito com o homem que havia lhe informado sobre as terras baratas. O valente Pahóm caiu morto. Os Bashkirs davam estalos com a língua para demonstrar a pena que sentiram. O criado então pegou uma pá, fez uma cova que coubesse Pahóm e colocou-o dentro. Um metro por dois. Não precisava de mais.

Esta história nos dá uma grande lição…

Em tempos de pandemia, diante da nossa corrida diária a crônica acima nos dá uma profunda reflexão e ilustra muito bem a rotina e a correria dos dias de hoje. Naquela época, há mais de 130 anos atrás, o conto de Liev Tolstóy (considerado escritor universal), certamente não conheceu a realidade atual, mas ele compreendia a alma humana. Como o camponês que acreditava que o seu sucesso estava em possuir mais terras, o homem de hoje crê que o sucesso está no tamanho do patrimônio que possui. A crença quase inconteste de que o dinheiro, os bens materiais podem trazer felicidade está impregnada em nossa sociedade atual de tal forma que, em determinados momentos, esquecemos que a vida é finita. Esquecemos que talvez não tenhamos tempo para aproveitar todo o imenso patrimônio que gastamos a vida para acumular, como agora no caso da pandemia do coronavírus….

Traz o tema da ambição e do orgulho do homem, Liev Tolstóy, para a crítica literária é considerado o maior escritor romancista de todos os tempos, a melhor literatura do mundo, para reflexão sobre os valores humanos em tempos de pandemia.

A história conta a saga de Pahóm, um camponês russo que vivia com a família em uma pequena fazenda e que dividia com os vizinhos, permite ainda hoje, mesmo após mais de 110 anos de sua morte, importantes reflexões acerca do dinheiro, da ganância, da ambição e do orgulho. Se ele não tivesse vontade e disposição para conquistar mais terras, teria passado a vida toda como miserável, sem poder oferecer conforto para a família. O que fez o progredir foi a vontade de ter mais terras para trabalhar, produzir e de gerar excedentes para vender aos outros. Mas esta mesma força descontrolada lhe levou à morte.

E graças a milhares de Pahóms descontrolados que vivemos em uma sociedade de tanto progresso material e humano. São insatisfeitos crônicos que constroem grandes grupos empresariais, que descobrem formas de tratar novas doenças e maneiras mais rápidas de se transportar, de se comunicar, entre tantas outras maravilhas da sociedade atual, em que o whats, Facebook e as redes sociais estão tomando conta, obstruindo e diminuindo diálogo, inclusive nas famílias.

Porém, são alguns dos mesmos descontrolados que provocam os golpes financeiros, a corrupção assustadora, como na lava jato, etc., os lares sem pais para educar os filhos e uma sociedade de excluídos que frequentemente se revolta em quem os excluí. Claro que o progresso é fundamental, mas é necessário colocar limites para os desejos compatíveis com as possibilidades de cada um e lembrar que a vida é finita!

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